sexta-feira, 1 de março de 2013

Língua brasileira


Neste artigo, o colunista Ricardo Dayan fala sobre a forma heterogênea com que a língua brasileira se apresenta nas mais diferentes regiões do Brasil e sua relação com o ensino.
28/01/2011 13:14
Interna Ricardo Dayan.jpgImaginemos que uma criança tenha nascido e vivido sua infância na Região Sul do Brasil. Ela terá incutido em sua língua materna a variante falada na região onde nascera e vivera, manifestando seus cacoetes linguísticos, suas expressões idiomáticas regionais. Imaginem, ainda, essa criança sulista ter de estudar, por alguma razão, numa escola situada na Região Nordeste. Caberá, então, à escola nordestina atentar para o regionalismo dessa criança e respeitar as particularidades de sua língua, desde a ordem fonética e fonológica – como seu sotaque – até a ordem morfológica – a sua escrita e repertório vocabular.

O professor deve ensinar aos alunos a língua-padrão, que é a língua culta socialmente dominante, mas não pode ensiná-la depreciando a língua materna do aluno. Não se trata de substituir o ensino de uma língua por outra. O idioma internalizado na criança há de ser respeitado e levado em consideração se se pretende inculcar-lhe as normas gramaticais. As escolas públicas e particulares, espaços historicamente reservados para que a criança aprenda bons valores e costumes, têm de estar todas conscientes de que a língua brasileira é heterogênea, ou seja, apresenta diferentes fomas de se pronunciar e escrever palavras, com suas variantes distintas ocorrentes nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul.

Gilles Gagné, pesquisador francês quebequense, argumenta que “a pragmática, as teorias da enunciação, a análise do discurso, os modelos psicolinguísticos de aprendizagem da língua não atingiram um grau de universalidade e de desenvolvimento suficientes para que os pedagogos colham ali os dados diretamente úteis ou seguros para o planejamento pedagógico”. Nessa linha de raciocínio, acredito que um grave erro cometido por um pedagogo consiste em ensinar determinada ciência, seja humana (Língua Brasileira) ou exata (Matemática) sem priorizar o fator humano. Quer dizer, sem enxergar cada aluno como indivíduo único que carrega sentimentos próprios e que, principalmente, expressa maneiras próprias de falar, escrever, gesticular.

A heterogeneidade começa naturalmente dentro da sala de aula. Num grupo de 30 alunos, por exemplo, muito comum será perceber que os indivíduos têm comportamentos, reações, costumes heterogêneos, isto é, comportam-se e reagem cada um de uma maneira diferente. É aqui que deveria entrar um modelo psicolinguístico de aprendizagem da língua mencionado por Gagné. Um modelo que atendesse às necessidades da criança brasileira, a nortista, a nordestina, a do Centro-Oeste, a do Sudeste e a do Sul, cada qual com seu jeito característico de falar.

Uma notícia que nos agrada: as escolas públicas e privadas estão se despertando, aos poucos, para essa realidade. Seus professores, malgrado a rebuscada e para muitos ininteligível linguagem empregada nos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), sentem a necessidade de ajustar o planejamento pedagógico voltado a atender às necessidades de seus alunos, mediante adequação do conteúdo dos livros didáticos de Língua Portuguesa, das aulas da disciplina ministradas por eles em sala de aula, e, ainda, por meio de uma eventual convocação à escola do pai, da mãe ou responsável pela criança quando há necessidade de fazê-lo para solucionar problemas relativos ao desempenho escolar dos filhos.

O professor e escritor Marcos Bagno, defensor e incentivador incansável de um novo ensino da língua baseado na dinâmica social contemporânea, autor dos utilíssimos livros, como O preconceito linguístico e A língua de Eulália, dentre outros, considera que o ensino de língua no Brasil, neste início de século XXI, se encontra numa nítida fase de transição. Não se sabe, todavia, até quando essa fase perdurará. Na visão de Bagno, com a qual me solidarizo, “a língua como uma essência não existe: o que existe são seres humanos que falam línguas”. Bagno quer dizer que devemos olhar para a língua inserida na realidade histórica, cultural, social na qual ela se encontra. Através deste olhar, consideraremos a língua como atividade social e, por consequência, entenderemos e aceitaremos melhor a heterogeneidade de nosso idioma.

Ao colegas do MDS entrego uma questão-desafio para refletirem vagarosamente a respeito e, se possível , respondê-la: Por que, para que e como ensinar língua brasileira na escola? A resposta, sem limitação de quantidade de linhas, poderá ser encaminhada para meu e-mail ricardo.freitas@mds.gov.br até o dia 4 de fevereiro de 2011. Selecionarei uma resposta e seu autor será contemplado com um exemplar do livro “Preconceito linguístico” de Marcos Bagno. O resultado será divulgado nesta intranet no próximo dia 7 de fevereiro. Mãos à obra e muita boa sorte.


Bibliografia:
BAGNO, Marcos; STUBBS, Michael; GAGNÉ, Gilles. Língua Materna - letramento, variação & ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2002.

Ricardo Dayan, além de professor de português, é funcionário da Assessoria Técnica do MDS e colaborador ativo da Intranet.

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