sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Aportuguesamento de palavras estrangeiras

        Ao entrar num restaurante, a plaqueta de madeira trincada no alto da entrada anuncia “Buffet”. Perguntei à moça recepcionista:

        - Boa tarde. Qual o preço do “bufê”?

        Ela me retribuiu com a palavra afrancesada com direito a biquinho e tudo: “Ah, o “buffet? R$ 12,50".

        Entrei, almocei e paguei pela comida. Ao sair, passei pela recepcionista, lhe entreguei a comanda e dela me despedi sem nenhum estresse.

        A palavra “buffet” tem origem etimológica na língua francesa e os franceses a pronunciam “bifê”. Mas nós brasileiros preservamos o “u” original e a aportuguesamos naturalmente para “bufê” na fala e na escrita. Se você, meu caro leitor, estiver num restaurante brasileiro, em terras brasileiras, penso que deva ficar à vontade em procunciar ou “buffet” francês ou o “bufê” brasileiro. Sempre dou preferência ao nosso tupiniquim bufê e outros aportuguesados. Temos aqui um caso de variação fonética, fenômeno linguístico onde a escolha daquela ou desta forma não comprometerá o significado da palavra em questão, qual seja, grosso modo, a “mesa para servir comes e bebes”. Entretanto, se estou lá nas terras da França, optarei sim pela forma estrangeira “buffet” para facilitar, acima de tudo, a compreenssão do diálogo em meio a franceses.

        Outra forma de aportuguesamento é a variante da palavra inglesa “stress” para o nosso idioma “estresse” . Nunca terei receio ou pudor de optar pela maneira tupiniquim de falar e escrever. É preciso ter consciência de que somos povo brasileiro, falamos e escrevemos a língua portuguesa falada e escrita no Brasil e, como tal, vejo ser natural, coerente e justo que o falante escolha a pronúncia e grafia que ele achar a mais oportuna em dada situação e ambiente.

        A perolazinha francesa: abat-jour. E tome aportuguesamento para abajur. Ainda bem. Na condição de comunidade brasileiríssima, não somos obrigados a falar ou escrever, pelos menos aqui no Brasil, determinada palavra ou expressão estrangeira nos moldes do respectivo idioma estrangeiro, como buffet, stress ou abat-jour.

       Uma pausa para analisar a expressão aportuguesada abajur. Vejam que preservamos o “r” final. Sem utilidade fonética para nossa pronúncia, pois poderíamos abrasileirar mais ainda este nome francês eliminando o “r”, o que daria origem a abaju, como em “caju”, “Aracaju” e terminações afins.

       Aqui, cabe uma pergunta: por que aportuguesamos palavras estrangeiras? Para preservar a nossa língua, à procura de uma língua pura, sem mistura? Creio que não. Falamos e escrevemos o “buffet” deles para o “bufê” nosso por razões puramente fonológicas, fonéticas e fonemáticas (relativo ao fonema, por exemplo, escrever “picape” em vez de “pickup” para preservar o som original /a/ ). Aportuguesamos ou abrasileiramos um vocábulo para facilitar a compreensão de um diálogo entre brasileiros. Palavras como buffet, pickup caem na boca do povo brasileiro que as articula de acordo com repertório de vocábulos do seu idioma brasileiro. Ou seja, não é o linguista, o gramático, o estudioso da língua, quem constrói este processo de articulação, quem instaura o aportuguesamento, mas sim o falante nativo, toda a comunidade linguística.

       Finalmente, é preciso eliminarmos qualquer manifestação de preconceito linguístico, isto é, não aceitarmos a possibilidade de um brasileiro ser ridicularizado quando ele pronuncia uma palavra estrangeira do seu jeitinho de falar abrasileirado. Jeitinho este correto, diga-se de passagem, porque o falante é brasileiro, nasceu e vive no Brasil. Havemos de ser no mínimo gramaticalmente coerentes, não? E menosprezar este seu jeito de pronunciar é menosprezar inconscientemente o próprio idioma brasileiro.

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