quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Assim caminha a língua escrita e falada da criança



"O serviço mais útil que os lingüistas podem prestar hoje é varrer a ilusão da ‘deficiência verbal’ e oferecer uma noção mais adequada das relações entre dialetos-padrão e não- padrão” (William Labov).
Caminha, e bem. Língua é coisa de uso, e não de regra. Exemplifico: na frase “Nós pode ir ao cinema”, entendemos que se trata de mais de uma pessoa que pode ir ao cinema, pela simples utilização do pronome “Nós”. Portanto, não haveria necessidade de flexionarmos o verbo para “podemos”, o que resultaria, sob o argumento de alguns, numa total ambiguidade. Este é um raciocínio que provém do uso da língua por determinado grupo de falantes. Trata-se de uma variação linguística estigmatizada, ou seja, vista com maus olhos pela norma culta imposta pela gramática e, por conseguinte, recusada também pela escola e sociedade.
Uma coisa é a escrita; outra é a fala. Quando crianças, balbuciávamos “papá”, “mamã”, na tentativa de chamar por “papai” e “mamãe”. Das fases de criança evoluímos para adolescentes e, nesse passar de anos, evoluímos nosso modo de pronunciar e escrever as palavras. Crescemos convivendo ao lado de nossos pais, irmãos, familiares, colegas de escola, com os ouvidos em pé, alerta a tudo.
Mas eis que a professora se depara com a entrega de uma redação de aluno de nove anos de idade. E arregala os olhos ao ler:
“João tava cum sedi então o pai de João deu água pru João”. O caro leitor compreende o significado da frase? Quero lhes afirmar que se há comunicação neste enunciado, isto é, se o autor da frase consegue ser entendido pelos leitores, é porque há clareza, ainda que os termos da frase fujam da norma culta gramatical. Que fazer o professor numa situação dessa?
O professor, como educador acima de tudo, deve chamar o aluno, parabenizá-lo pela bela redação por ter sido criativo. Confessar-lhe que entendeu o que escreveu, mas que existe outra forma de escrever a mesma frase:
“João estava com sede, então o seu pai lhe deu água”.
E lhe dizer, com naturalidade, que esta outra forma é que é a aceita e muito mais empregada por todos, pelas escolas, pela sociedade. Nunca discriminá-lo, jamais tascar a caneta em sua redação para registrar qualquer tipo de reprovação como os inapropriados “Péssimo”, “Errado”, “Estudar mais!”. Essa atitude não educa a criança, mas deseduca, derruba a autoestima do aluno que, por natureza, faz uso de sua gramática internalizada. É preciso apenas podar, lapidar esta sua mais preciosa virtude: a criatividade.
Lembro-me de escrever a palavra “dezenho” assim mesmo com “z” repetidas vezes até a quarta-série do primeiro grau. A professora escrevia do lado “desenho” corrigindo-me apropriadamente. No outro dia, lá estava de novo a bendita ou maldita palavrinha. E tome “dezenho” com “z”! Isso aconteceu porque o “s” da palavra “desenho” tem o mesmo som de “z” da palavra “zebra” por exemplo. Demorou até que eu compreendesse e assimilasse finalmente “desenho” com “s” como preza a sua ortografia convencional. Isso continua acontecendo nas escolas. Não se trata de nenhum mal da linguagem e que, portanto, deva ser repudiado e punido. Trata-se de mais uma fase do processo de evolução da fala e escrita da criança. Assim como, nos primeiros anos, ela tem aquela sua fase de andar meio que insegura, tateando as paredes e móveis de casa, até adquirir total confiança e coordenação motora.
Se minha filha de 8 anos de idade me pergunta:
“Pai, se eu fazer o dever primeiro eu posso ver televisão?”
Ao entender o que ela quis dizer, embora tenha usado o “fazer” de modo agramatical, eu lhe respondo com um:
“Olhe, se você fizer o dever, pode ver televisão” E Se eu fizer o dever com você para ajudar nas suas dúvidas, vai ser mais interessante.”
Então, todas as vezes que ela usar o “fazer” nesse tipo de construção, imediatamente eu lhe responderei com o “fizer”. Aos poucos, a criança vai absorvendo o significado da expressão verbal nesse contexto.
Em seu livro “E as crianças eram difíceis – A redação na escola”, a autora Eglê Franchi narra sua experiência como professora de 1º grau numa escola de periferia. Eglê aponta a necessidade de considerar a fala e escrita de cada criança, respeitando as variações de frases, e, principalmente, mostrando a elas as diferentes possibilidades de se expressar tanto no ambiente popular (variante estigmatizada) quanto no ambiente em que a norma culta deva prevalecer (variante de prestígio).
É formidável e confortante saber que crianças desde cedo já sabem construir frases. Pasmem!: já sabem sintaxe, porque nascem com a sintaxe em seu consciente. Quando elas dizem:
"Mãe, eu quero ouvir a historinha do Peter Pan."
Ela sem se dar por conta e, principalmente (isto é muito importante), sem nunca ter visto a gramática, senão a sua gramática internalizada, solta a frase com os termos na ordem direta (vocativo+sujeito+verbo+objeto+complemento). Vejam:
Mãe: vocativo
...eu: sujeito
...quero ouvir: verbo (locução verbal) transitivo direto
...a historinha: objeto direto
...do Peter Pan: complemento nominal
Muitos dirão que ela assim constrói a frase porque simplesmente ouve os adultos falando todos os dias. Eu direi que têm absoluta razão. Ao observarmos o vocabulário das crianças, concluímos que este se identifica com o vocabulário das pessoas que as rodeiam. Há tendência de os pais modificarem a linguagem durante a comunicação com as crianças. Eles exageram na inflexão vocal e usam frases mais simples, que é para tornar a fala mais agradável a elas. A essa fala adulta dirigida às crianças damos o nome de motherese. Esse estilo de fala, a motherese, não é utilizado exclusivamente pela mãe, mas também por pessoas que cumprem a função materna, que podem ser a mãe real ou mesmo outra pessoa que cuida da criança.
É preciso aprender a ter paciência com estes pequenos. Dar tempo para eles, pois, como afirma Stenberg, "as crianças adquirem a linguagem formando mentalmente hipóteses experimentais quanto à mesma, baseadas em sua facilidade hereditária para a sua aquisição (natureza), e depois testando essas hipóteses no ambiente (educação)."
Sabedor de que o estudo da fala e escrita da criança é de profundidade oceânica, proponho ao leitor consultar a bibliografia que registro ao final deste artigo. São especialistas, cientistas da área que muito contribuem para amadurecimento do assunto em questão, desde Vygotsky até Eglê Franchi. A todos os desbravadores uma proveitosa leitura.
Enfim, quero lhes dizer que as crianças estão bem acima da gramática, pois esta só tem existência em razão da existência daquelas. É a partir da criatividade, do dialeto peculiar de cada uma das crianças que a gramática se encorpa, toma vida, e, com o passar dos tempos e pela necessidade natural dos falantes, terá de ajustar gradativamente as suas regras.
.................................
Bibliografia:
BAGNO, Marcos. A língua de Eulália – novela sociolingüística. São Paulo: Contexto, 1999.
PINKER, Steven. O instinto da linguagem: como a mente cria a linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
FRANCHI, Eglê.– E as crianças eram difíceis - A redação na escola. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
SCHÜTZ, Ricardo. Vygotsky & language acquisition. Disponível em: SOUZA, Solange Jobim e. Infância e Linguagem: Baktin, Vygotsky e Benjamin. 6. ed. São Paulo: Papirus, 2001.
STENBERG, Robert J. Psicologia Cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 2000.
VYGOTSKY, Lev Semenovich. Pensamento e Linguagem. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. Série Psicologia e Pedagogia.

quarta-feira, 13 de julho de 2016


LOGO, LOGOMARCA ou LOGOTIPO ?


"logo" é um termo grego e significa "significado".

"logotipo" é o tipo de letra. Exemplos: logotipos da Coca-Cola, da CAIXA, da TAM utilizados em suas publicidades.

"logomarca" é o desenho, imagem, figura do significado. Exemplos: a maçã da Apple, o casal de pinguins da Antártica.

O fato de um termo, palavra, expressão, ter origem estrangeira não significa dizer que devemos preservar sua estrutura gráfica original. Somos falantes competentes da língua portuguesa falada no Brasil. Portanto, adaptamos naturalmente ao nosso idioma os empréstimos linguísticos, estrangeirismos e os internalizamos com o passar dos tempos. Os empregos de alguns termos já estão consagrados; outros, ainda em vias de consagração. O termo"logomarca" me parece já consagrado e internalizado na nossa fala e escrita.

O Dicionário Houaiss conceitua "logomarca" e "logotipo" assim:

"logomarca - s.f. (sXX) pub 1 conjunto formado pela representação gráfica do nome de determinada marca, em letras de traçado específico, fixo e característico (logotipo) e seu símbolo visual (figurativo ou emblemático) 2 p.ext. representação visual de qualquer marca ¤ etim log(o)- + marca."

"logotipo - s.m. (a1958) 1 gráf grupo de letras reunidas numa só peça, empr. em tipografia, com o objetivo de acelerar o trabalho de composição manual [Este recurso tipográfico foi inventado no sXVIII em substituição aos caracteres móveis individuais e, posteriormente, aplicou-se de preferência à composição de siglas e marcas comerciais ou de fabricação, de traçado característico facilmente reconhecível.] 2 p.ext. pub símbolo que serve à identificação de uma empresa, instituição, produto, marca etc., e que consiste ger. na estilização de uma letra ou na combinação de grupo de letras com design característico, fixo e peculiar F f. geral pref. e menos us.: logótipo ¤ etim log(o)- + -tipo ou –tipo."


E o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) registra as expressões "logomarca" e "logotipo" como corretamente usuais.






segunda-feira, 11 de julho de 2016





Convido Vossas Senhorias para participar do evento
ou
para participarem do evento?

Resposta: o uso é facultativo, ou seja, tanto podemos manter o verbo infinitivo no singular (participar) como também no plural (participarem).

Justificativa: a preposição (para) que antecede o verbo (participar) permite o uso deste no singular ou no plural.

Outros exemplos:

Convido-os para estas reuniões a ocorrer / ocorrerem amanhã (preposição "a").

Peço aos senhores para permanecer / permanecerem na sala.

Atenção: para usufruirmos deste uso facultativo, é necessário que o verbo seja imediatamente precedido de preposição. Portanto, não havendo a preposição, a concordância do verbo dar-se-á naturalmente com o termo nominal.

Exemplo:

Convido Vossas Senhorias para que participem do evento.
------------------------------------------------------------------------------



terça-feira, 19 de maio de 2015

NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO




            Em vigor desde 2009, o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, firmado entre o Brasil e os países de língua portuguesa, terá duração até o ano 2016. Então agora continuamos a escrever opcionalmente, ou seja, usando a antiga regra ortográfica ou a nova ortografia até o dia 1º de janeiro de 2016. A partir desta data, só será aceita oficialmente a nova regra.
           
            O novo acordo representa apenas 0,5 de mudanças na ortografia da nossa língua portuguesa, isto é, duas mil palavras sofreram alterações. Em Portugal, "óptimo" e "acção", por exemplo, passaram a ser escritos iguais por aqui no Brasil ("ótimo" e "ação").

            Esta é a terceira alteração na nossa língua. A primeira ocorreu em 1943 e a segunda em 1971. Isto só comprova que a língua é dinâmica, sujeita a mudanças com o passar dos anos e com o surgimento de novas gerações de falantes e escritores.

            Sugiro acessar o link: http://revistaescola.abril.com.br/img/lingua-portuguesa/palavras-novo-acordo.pdfNele há uma tabela de palavras de uso frequentes que sofreram alterações pelo novo acordo ortográfico. 
            Boa leitura.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Pronúncias: Houaiss, Montagne, designo.



Houaiss: fala-se "uáis" (o nome do autor do famoso dicionário Antônio Houaiss). EStratégfia para lembrar: associar com a interjeição " Portanto, não se pronuncia o "H" como "R", ao contrário de "House" ("Rause") que significa casa.

Montagne: "Montanhê" (nome de origem francesa), como na palavra "dendê".

-------------------------------------------------------------

Eu designo ele para o cargo (pronuncia-se marcando a sílaba tônica/forte para "sig", ou seja, "desíguino"). Errado, portanto, falar "desiguino" com a tonicidade em "gui". Assim também ocorre em palavras com esta mesma estrutura de formação: por exemplo, indigno ("indíguino" e não "indiguino").



quinta-feira, 15 de janeiro de 2015




                                                                      NOTA ZERO

     “Não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho.”


         O Ministério da Educação divulgou na última terça-feira (13) o balanço final da edição de 2014 do Exame Nacional do Ensino Médio, vulgo ENEM. Segundo a pasta, prestaram o exame 6.193.565 candidatos dos quais 529.374 obtiveram nota zero na redação da prova (8,5% dos candidatos). Resultado lastimável. Preocupante para alunos, professores, pais, governo, sociedade civil. Diante deste cenário, emerge uma pergunta: o que fazer para inverter este quadro?

         Penso ser possível apresentar urgentemente uma proposta de modificação do projeto de ensino nas escolas, sejam elas públicas ou particulares. Uma proposta de incrementar os mecanismos de incentivo à leitura. Mais que isso: culturalizar a comunidade de alunos a gostar de ler, a sentir prazer em ler um romance, um conto, uma crônica, uma revista, um jornal. Se o aluno do ensino médio não tiver as ferramentas imprescindíveis para fortalecer seu processo de aprendizagem, quais sejam o governo, seus pais e a escola, encontrará sérias dificuldades nos exames de admissão para concursos e vestibulares, em especial na prova de língua portuguesa e redação.

         Fato que perdura há anos no Brasil: a criança entra no maternal, é alfabetizada. Os obstáculos começam no ensino fundamental. Professores que não tiveram embasamento suficiente em suas áreas de formação nas universidades públicas ou particulares em que cursaram; paralisações das atividades (greves) dos professores, em escolas públicas, que reivindicam reajuste salarial, contratação de novos professores etc.

         O governo estimula a escola, remunerando bem os professores, alocando recursos materiais para a escola. O professor bem remunerado estimula o aluno a ler e ainda cria mecanismos para tanto. O aluno com o estímulo do professor e, principalmente, de seus pais, será incentivado a criar gosto natural pela leitura, desenvolverá o papel de pesquisador, de estudante. Agindo assim, seu cérebro será estimulado a se habituar com essa rotina de atividades. Se este fluxo socioeducativo, governo-professor-pais-alunos, for colocado em prática em nosso cotidiano, estaremos com a faca e o queijo na mão.
        
        

        



quinta-feira, 8 de janeiro de 2015










          Dia desses, fui mordido pela minha cachorra de estimação porque acidentalmente pisei em seu rabo.
Não sei por que cargas d'água passou pela minha cabeça em usar acetona para a mordida. Mas, no afã da minha razão, usei corretamente água oxigenada no dedão mordido de meu pé. 
          No outro dia, cheguei ao meu trabalho e relatei o caso da mordida a uma colega minha. Ela riu demasiadamente. Pudera. Passados alguns minutos, ela consultou-me se um recorte autoadesivo que havia feito em forma de seta não estaria grande demais. Falei a ela que sim, que diminuísse o corte para substituir aquela setona. Ela fez isso. Minutos à frente, ao tomarmos cafezinho, esta mesma colega me disparou sorrindo: "Ricardo, e a setona?" Respondi a ela retribuindo com um sorriso tomado de gargalhada: "Ah, a acetona! Já pensou se eu usasse acetona em vez da água oxigenada!? Que desastre seria!". Ela explodiu em gargalhada: "Ricardo, eu me refiro à seta grande que recortei: a setona...kkkkkk! E compartilhamos gostosamente este episódio hilário. 
          Culpa da diversidade de significados de nossa língua portuguesa falada no Brasil. Ainda bem.