sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Natal no sertão


A chuva descansa nas telhas da casa caída...
- Trais os minino prá dentro, cumadi Enedina!
A turva palavra da Joana, neta da Iêda parida,
É uma voz que vacila, mas que ainda domina.

Rumejam os trovões. É hora da quente bebida.
- Quêde o café? Bota água no fogo, Minina!
E o preto pó a essa gente singela fornece vida.
E do gordo bolo de fubá resta apenas a fatia fina.

A chuva cansa de cair nas telhas da casa caída...
- Eita, fio, vai cumprá dois frango lá na casa da Carmina.
E o rosto da criança sorri e nele floresce uma alegria incontida.

Junta-se à alma do sertão a peregrina alma natalina
Que está a murmurar nos corações dos vários povos detida,
A trazer chuva, café e bolo a essa gente da cumadi Enedina

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

A linguagem na internet (salas de bate-papo)

O artigo de Bruno Rodrigues “666, o número da internet” traz novas interrogações aos leitores a respeito da linguagem usada nas salas de bate-papo da Internet. Primeiramente é preciso deixar bem claro que esse tipo de linguagem não fere, não maltrata, não macula, muito menos destruirá a língua falada e escrita fora da internet. Quem transforma a língua é a sociedade (falantes) e não uma gramática, um dicionário, uma lei, um decreto. A gramática, o dicionário, estão ali parados, como poças d’água, e eis que, como correnteza de rio, lá vem a língua sempre dinâmica e inovadora para passar pelas poças d’água. A língua é viva, no sentido restrito da palavra, pois ela só existe com a existência do homem. E guardemos isto: o homem, sentindo a necessidade natural de se comunicar de uma determinada forma na escrita ou na fala, ainda que seja numa forma inédita, estranha portanto, ele o fará doa a quem doer. Doa à gramática, doa aos dicionários, doa aos professores. Se as pessoas de hoje escrevem, num certo ambiente lingüístico, “kd vc” em vez de “cadê você” é porque elas estão dentro de um contexto social e cultural que lhes permite escrever desse modo. Se um dia escreveremos “kd você? Responder “sim” a essa questão é tão incerto como responder “não”. Mas não esqueçamos que um dia, anos e anos atrás, escrevíamos “Vossa Mercê” e que, com o passar dos anos, combinamos essa expressão para o “Você” (Vo de Vossa e ce de Mercê). Então, lhes pergunto: essa transformação do vossa mercê para o você trouxe prejuízo para a nossa língua? Creio que não.

Então tudo é permitido na língua? Tudo é permitido desde que, primeiro, se considere o ambiente, o local em que se realiza a comunicação e, segundo, que os seus interlocutores (quem escreve, quem lê) consigam entender a mensagem). Um falante que fala ou escreve empregando gírias em sua carta para alguém com quem tenha afinidade, como sua namorada:

Ex.: E aí mina, vamos pegar um som hoje?

Primeira condição: ele tem que ter relação de afinidade com ela (no caso, são namorados).
Segunda condição: ela tem que entender o significado das palavras “mina” e som” dentro da frase-convite. Caso ela não compreenda as duas palavras, haverá prejuízo na comunicação entre o casal.

Numa ida minha a Salvador, Bahia, estava eu passeando numa praça perto do hotel em que me hospedava. Entrei numa banca de revistas e perguntei ao jornaleiro “E aí, tudo em cima? Ele me olhou arqueando as sobrancelhas, ergueu a cabeça pra cima e me respondeu “como assim? Certamente o bom jornaleiro desconhecia o outro significado da expressão-gíria “em cima” empregada naquele contexto lingüístico “tudo em cima?” equivalente a “tudo bem?. Nesse caso, o uso da gíria comprometera a comunicação.

Feitas essas poucas considerações, podemos inferir, grosso modo, que as coisas devem ser ditas e escritas a determinadas pessoas no lugar e no tempo certo. Assim é o emprego da linguagem na Internet, fenômeno que tende a se restringir à própria Internet. Entendo que a língua empregada pelos internautas não teria utilidade prática no campo real. É provável que a síncope ou abreviação de palavras (você > vc; tc > teclar) seja adotada no futuro, em virtude da evolução da própria língua e da constante busca da originalidade no processo de comunicação pela língua escrita.

Na condição de instituição viva, a língua escrita e a falada estão presente no cotidiano de cada um de nós. Pessoas menos preparadas ou saudosistas tendem a interpretar essa nova forma de comunicação nas “salas de bate-papos” como uma espécie de deterioração ou degeneração da língua. Penso que esse raciocínio é falho, pois a língua está em constante movimentação. Não se estagna como uma poça de água. Adquire novos elementos e põe outros em desuso. Esse é um processo natural que faz com que as línguas evoluam e acompanhem as transformações sociais, econômicas e culturais dos povos.
Vejo que a língua escrita e quase falada dos usuários da Internet é mais uma das variantes de uso de nossa língua. Não há dúvidas de que esse segmento poderia influir nas futuras transformações em que a língua portuguesa irá sofrer nos próximos anos. Porém isso não significa deterioração do idioma, mas sim evolução e adaptação aos tempos modernos.

Finalmente, ao retomar as interrogações de Bruno Rodrigues “A língua não retrata o que o povo fala? Ou o que a regra nos impõe?”, afirmo sem titubeios que a língua é o que o povo é.