segunda-feira, 26 de agosto de 2013

O atropelado






Tarde de domingo sem sol. A rua estava cheia de gente. Dona Firmina viu tudo.
- O caminhão... – Ainda soluçava – o caminhão veio na contramão e, ai meu deus, deu nisso aí - Abaixou a cabeça escondendo o rosto triste com as duas mãos.
O choque fora violenta, é verdade. Mas a senhora Firmina, dona do salão de beleza Pente Mágico, sempre se empolgava a mais diante desse tipo de acontecimento. Fazia careta de criança, uma hora e outra dava uns pulinhos e gritava “cruz credo!” a cada instante. A coisa piorou quando o senhor Portuga, farmacêutico da cidade e colega de conversa fiada da cabeleireira histérica, deixou o seu recinto de trabalho e se meteu no meio de toda aquela gente curiosa. Tagarelou:
- Que se vê? Que se vê? – Nervoso, coçava o bigode alongado – Oh, Santa Edwiges! Pois não é que o estrago foi graúdo! Ele era tão novo, tão novinho. Destino ingrato este do coitado do Dr. Gervásio Pires, tinha-o como quem guarda um tesouro.
- Novinho e bonitão! – emendou uma senhora magrela de cabelos pintados de ruivo.
Dona Firmina conteve a emoção. Franziu a testa. Inventou uma tosse breve. Tudo tinha limite. A proprietária do único salão de beleza da cidadezinha não poderia agir daquele modo. A voz lhe pareceu mais delicada.
- Seu Portuga, o Dr. Gervásio Pires sofre de coração, se isso bate no ouvido dele...morre de uma vez!
- E como se deu a tragédia? – Os olhos pregados no atropelado.
- Ele estava parado aí, quietinho, na calçada. Então apareceu o caminhão correndo feito maluco e fez essa besteira. A família não vai se conformar.
- E o autor desse estrago, cadê?
- Deve de ter fugido – Lamentou Dona Firmina.
Um engraxate (tinha lá seus doze anos de idade), sentado no meio-fio, cuspiu no chão e disse:
- O homem não teve culpa não. Eu vi, juro.
O farmacêutico explodiu:
- Cala-te a boca, moleque! Tu não sabes o que falas. Lugar de pirralho é na escola, ora pois.

Ali estava o cenário com cheiro de óleo queimado. O caminhão meio amassado. O atropelado sob os olhares curiosos. Depois de alguns minutos é que o carro da polícia chegou. Pronto. Acabara-se a festa.
- Sai todo mundo! Vamos! – Berrava, eufórico, o soldado grandalhão demonstrando habilidade no manuseio de seu cassetete.
A mulher de cabelos ruivos foi quem primeiro deixou o local do acidente. Pouco a pouco, as pessoas iam se dispersando. Dona Firmina e seu Portuga saíram, cabisbaixos, para tratar de seus negócios.
O policial puxou a antena do radiotransmissor e berrou novamente:
- Positivo! Manda o reboque maior. Quê? O atropelado? – Esticou uma gargalhada – O atropelado é um automóvel. Uma Mercedes de luxo.