terça-feira, 26 de julho de 2011

Ler clássicos é preciso

Quando a primeira vez minhas mãos dedilharam as páginas de Memórias póstumas de Brás Cubas, escrita por Machado de Assis, meu pensamento ficou demasiadamente confuso, perturbado. A imortal passagem de um capítulo em que o “X” se diz ser acrobata e lança o desafio ao mortal leitor: “decifra-me ou devoro-te!”. E não tardou ser eu devorado pelo enigma machadiano. A partir da leitura, concluí que as obras de Machado são inesgotáveis, de sorte que se intitulam clássicas no cenário mundial.  E obras clássicas devem ser indicadas pelas escolas para as nossas crianças, adolescentes, jovens, desde logo cedo, que é para semear semente boa e fértil.

O professor deve ter a consciência de que seus alunos, sejam crianças ou adolescentes, necessitam exercer o hábito da leitura. Para tanto, é dever do educador convocar os pais, as mães, os responsáveis pela criança e, com o auxílio também da biblioteca, estimular nos pequeninos o gosto pelo livro. Gostar do livro, o primeiro passo. Depois a leitura. Apalpar o livro. Cheirar o livro, as páginas. Falar com o livro. Que o pai ou a mãe ou o tio ou o avô ou quem mais for familiar conte uma história para a criança, de preferência com um livro na mão. Que faça a criança ouvir o enigmático barulho do folhear das páginas do livro. E encha o peito para, no final da história, lhe segredar: “olha, meu filho, o livro é o melhor amigo do homem!”.

Preocupa-me bastante o fato de, nos dias atuais, as crianças gastarem seu longo tempo de manhãs, tardes e noites à frente do computador em brincadeiras de jogos infantis, nos seus MSNs, ou outras salas de bate-papo e mais coisinhas do ramo. Não que estas ferramentas lhes sejam prejudiciais em sua plenitude. MSN, Orkut nada mais são do que modalidades de canais de comunicação, e os joguinhos on line podem ser até mesmo educativos, como o “letroca” que consiste em formar palavras a partir de troca de letras, o que enriquece o vocabulário do participante do jogo. Intriga-me, porém, a constatação de que as crianças estão lendo pouco, muito pouco. E ler pouco pode trazer consequências ruins para elas. Quase não vimos livros nas mãos dos pequenos. Em vez disso, suas mãos ficam robotizadas em teclados, mouses, seus olhos muito raramente passeiam pelas páginas de um “Alice no país das maravillhas”, um “Pequeno príncipe” ou de um “Para gostar de ler”.

Missão dura dos pais instaurarem o equilíbrio entre computador e livro para seus filhos. Mas temos pelo menos duas notícias boas no meio deste fecundo terreno. A primeira delas é que a editora intitulada Escala Educacional adaptou clássicos da literatura brasileira para versões em histórias em quadrinhos. São obras de Machado de Assis (O enfermeiro; Uns abraços, A cartomante; A causa secreta) e de Lima Barreto (O homem que sabia javanês; Um músico extraordinário; A nova Califórnia; Miss Edith e seu tio). A segunda notícia – e esta é a mais extasiante - é que você pode acessar, gratuitamente, obras completas de Machado de Assis, poemas de Fernando Pessoa e outras tantas de literatura infantil mediante o site http://www.dominiopublico.gov.br/ do portal do Ministério da Educação.

Visualizem seu pequeno (filho, sobrinho, neto ou enteado) lendo uma destas obras e – aqui entra a magnitude da coisa! – visualize-os utilizando um destes canais de comunicação da internet (MSN, Orkut ou qualquer outra sala de bate papo) para comentar com outras crianças fragmentos da obra lida, opinar sobre os personagens, o cenário, os valores humanos embutidos na narrativa. Bater papo sobre a vida do autor da obra. Isto é possível, caro leitor: a criança usar a internet para conhecimento e disseminação da literatura.

Finalizo esta coluna com um fragmento de Memórias póstumas de Brás Cubas:

Com efeito, um dia de manhã, estando a passear na chácara, pendurou-se-me uma ideia no trapézio que eu tinha no cérebro. Uma vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas cabriolas de volatim, que é possível crer. Eu deixei-me estar a contemplá-la. Súbito, deu um grande salto, estendeu os braços e as pernas, até tomar a forma de um X: decifra-me ou devoro-te.
Essa idéia era nada menos que a invenção de um medicamento sublime, um emplastro anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade (...)”.

Que semeemos, pois, a boa semente do hábito da leitura dos clássicos infanto-juvenis aos nossos pequenos. Ainda há tempo.