terça-feira, 10 de novembro de 2009

A pasta preta

Caros leitores: aqui vai um texto-tributo aos meus colegas professores que intitulei "A pasta preta"

A pasta preta

Riscar de giz branco e o esfregar de apagador que levantam poeira no ar. Numerozinhos aqui e ali que se escondem em parêntesis, colchetes e chaves, letrinhas x e y, tudo parece querer cair do quadro negro. Lá fora da escola, árvores de folhas úmidas, uma mangueira, um pé de jamelão, e por entre suas folhas e galhos já se espreguiçara o canto superensaiado de passarinhos e cigarras. Ensaiado especialmente para o dia 16.
Dentro da sala de aula, meninos e meninas irrequietos, o barulhinho que vem do passar ligeiro das páginas dos cadernos e livros, vozes finas e outras encorpadas dos adolescentes de espinhas nos rostos, alguns que exibem seus aparelhinhos de dentes. Em pé, de frente a essa gente toda, alguém bate com as palmas das mãos e clama por silêncio. A turma aos poucos vai minguando os ânimos típicos da idade tenra, aquele menino alto e magricela cruza as pernas e os braços e diminui o ritmo frenético do mascar de seu chiclete, e querem agora ouvir o que o professor tem a lhes oferecer. Sobre a mesa do mestre repousam caixinha de giz, caneta esferográfica, livro de aritmética e, por fim, uma pasta preta. Os olhos de seus discípulos estavam voltados para a pasta preta pois era a primeira vez que avistavam tal objeto de couro que tinha um ar misterioso.
O professor puxa a cadeira para se sentar, endireita os seus óculos e começa a chamar um por um o nome dos seus alunos para lhes entregar as provas corrigidas. E cada um deles que dirige até a mesa do mestre congela o olhar por um instante em direção à pasta preta. Ouve-se uns cochichos entre as meninas sobre o que o professor poderia guardar dentro daquele trombolhozinho de couro. Enquanto isso, lá fora as cigarras e os passarinhos orquestram a música afinada,desta vez com mais intensidade e afinco por causa dos raios de sol que se avizinham nas copas das árvores.

No finalzinho da aula, passado o intervalo (na minha época chamávamos de “recreio”), passado o lanche e os disse-me-disse dos alunos, dentro da sala de aula,a deliciosa rotina: o professor sorri e acena com a mão para todos os seus alunos um aceno de despedida. Sala vazia e dever cumprido. Mas amanhã haverá mais um dia de trabalho.

O mestre sai da escola,vai andando bem devagar. Exageradamente devagar. Ele abre a pasta preta e dela retira uma folha cheinha de letras e palavras. Endireita mais ainda os óculos, embaixo de uma árvore. Por ora, não há canto de cigarras nem de passarinhos e começa a passeara seus olhos pelas linhas da folha:

Esta pessoa a quem chamamos de professor, mestre, teacher, até os mais novinhos o chamam de “tio”, que faz ou já fez parte de nossas vidas. Professor de língua portuguesa que nos faz relembrar que não se deve usar crase antes de verbos e palavras masculinas, professor de matemática que nos revela o segredo de calcular a hipotenusa e os catetos do triângulo-retângulo. Nossos professores de História do Brasil, de História-Geral, que nos falam do descobrimento do Brasil,da Guerra dos Cem Anos. Professor de Química e sua tabela periódica cujos elementos de nomes esquisitos custamos a decorar e a aprender,mas aprendemos. O de Artes Plásticas. Ah, são tantos estes maravilhosos homens e mulheres que educam nossos filhos. Não posso esquecer do professor de dança, de música, por que não? Esta gente querida que faz acontecer, que transforma, que é tudo em minha vida.
Ao meu pai, quero desejar um dia 15 de outubro tão feliz, tão harmonioso como o canto das cigarras e dos passarinhos.

Segue seus passos até a parada de ônibus. E, sentado no banco, fica a contemplar a natureza das coisas, o canto dos pássaros, das cigarras, até o encanto e as benesses de exercer a atividade de professor.

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