segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Inocência de criança: do cinema à vida real

           O pequeno Samuel Lapp (Lukas Haas) aponta o dedo indicador para a fotografia de um homem, identificando-o como o criminoso procurado, e o policial John Book (Harrison Ford), que está ao lado do menino, fica atônito porque o homem da foto é um policial. Cena pertubadora do filme A testemunha (Witness) rodado em 1985. Vi esta película dentro do luxuoso Cine Atlântida aqui em Brasília, já desativado. Na época, tinha 15 anos de idade. Samuel, com seus oito anos de idade, chamou-me atenção e até meu coração bateu mais forte quando vi esse tenso episódio do filme, pois ali estava a criança-personagem-protagonista, a testemunha do assassino. Não se tratava comumente de um adulto.

           Um dedo indicador, de inocência. A criança do filme é a criança da vida real. Menino inocente que não tem o propósito de entregar policial algum, ainda que o tenha feito involuntariamente. Mas vimos inocência de criança. E achamo-la também na comédia-drama O garoto (The kid), estrelado por Charles Chaplin em 1921. O olhar do garoto, tão singelo, carregado de sofreguidões e de poucas alegrias, denuncia o mesmo olhar de inocência de Samuel Lapp. Se fazem peraltices, se fazem birras, caretas, choramingas, são coisas de criança, ora bolas! É que tudo isso que elas insistem em fazer, e as fazem com afinco, está, acima de tudo, envernizado de imaculada inocência.

            Quem ainda não teve o prazer de contemplar A vida é bela (La vita è bella), há tempo de fazê-lo. E, ao passar ou repassar seus olhos nas cenas deste drama italiano de 1997, contemple os comportamentos, reações, gestos, expressões da criança Giusoé, menino tão inocente e encantador como Samuel Lapp e o garoto de Chaplin. Criança que é, o pequeno Giusoé acredita inocentemente que a guerra na qual ele está inserido trata-se apenas de um jogo do qual participa com intenso entusiasmo ao lado do pai.

          Outro filme italiano, o premiado Cinema paradiso (Nuovo Cinema Paradiso), de 1988, tem criança contracenando com gente adulta. O esperto Salvatore, apelidado de Totó, criança franzina, peralta, e que tem paixão desenfreada pelo cinema. Menininho custoso dá conta, sô!, como se diz no linguajar mineiro, não se pode piscar o olho que o rapazote vai lá e apronta um mal-feito.

           Que falar das sete crianças vividas no belíssimo musical A noviça rebelde (The Sound of Music) de 1967? Dirão alguns que são meninas e meninos endiabrados, indisciplinados, e por que não maldosinhos. Esquecem, todavia, que são crianças reprimidas, cujo pai viúvo, também reprimido, carecem de amor e compreensão. Carecem ser ouvidas. Até que a governanta Maria, interpretada pela atriz Julie Andrews, dá um jeito em tudo isso, trazendo amor, afeto e compreensão para essas crianças que, a partir de então, manifestam seu verdadeiro lado. O lado da criança alegre, amiga, que necessita de mão e coração acolhedores.

            Antoine de Saint-Exupéry, autor do livro O pequeno príncipe, comenta que "todas as grandes personagens começaram por serem crianças, mas poucas se recordam disso”. Dos literários Brás Cuba, Madame Bovary, Dom Quixote, até os cinematográficos Mazaropi, James Bond, Carlitos, todos uma vez na vida foram crianças. Às vezes, é verdade, não se dão ou nem se deram conta disso. Pois a vida adulta não tem início mesmo com choro e riso de criança?

            A vida nasce pueril, berrando em maternidade, depois se consola em leite materno, vida-criança que brinca, pula amarelinha, faz girar pião com barbante, e que até aponta o dedo indicador, num gesto inocente, para um certo homem suspeito. O garoto adotado por Chaplin tem rosto de gente miúda, e é preciso olhar bem no fundo de seus olhos para entender que ali mora uma criança e não gente adulta.

            Hoje, somos adultos e devemos isso pelo fato de termos sido crianças. Em cada um de nós descansa alma infantil, ali quieitinha ou, às vezes, irriquieta, mas comandada por espírito e senso adulto. Devemos nos sentir mais leves, felizes, por convivermos dia a dia com os pequenos Samuéis, Giusoés, com as tantas crianças reprimidas que reencontraram o amor, e tantos outros garotos de olhos mirrados e inocentes.

           E, para encontrar e elevar nossa felicidade, basta termos a certeza de que somos todos adultos-crianças. Ainda bem.

Um comentário:

  1. Amigo Ricardo, parabéns pelo texto!!
    muito sensível ,poético, uma bela homenagem aos nosso filhos queridos e às crianças de todo o mundo. importante lembrar que elas sempre foram tratadas como adultos em miniatura e que ainda é recente o conceito e a difernça entre a vida adulta e infantil, e infelizmente muitos ainda não aceitam que elas devem, assim como os idosos, serem tratadas de forma especial.
    abraços e um feliz dia das crianças pra todos!!

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